Nathalia Duprat leu...

Nathalia é do Recife (PE). E mesmo tão longe de Vitória e de São Paulo, mantém uma relação antiga com o autor de Posta-Restante. Entre eles, muitas missivas foram trocadas. A palavra os une em um delírio meio Sabino, meio Lispector. Talvez por isso — ou talvez só por mero amor — eles já tenham notado que, aqui e ali, numa esquina ou outra, as escritas dela e de Mark se confundem.


Jornalista e poeta, publicou "Umbilical", seu livro de estreia, em 2022. E aqui, ela é convidada de honra: assina o prefácio da obra.




Recife, setembro de 2022.

       

Caro leitor,

 

      Hoje faz calor aqui no Recife. Depois de meses de clima instável, com chuvas insistentes e nuvens de desesperança, o sol apareceu. Veio forte, presente, inteiro. E como costumo dizer: coisas boas acontecem em dias de sol.

      Mark concordaria comigo. Ele olharia por baixo de um par de cílios bem abertos, cataria um pouco de luz com as mãos, faria um comentário qualquer e então escreveria dois versos sobre a vida e os mergulhos necessários dentro de si.

Este livro, caro leitor, é um convite dele para você se jogar nessa piscina imaginária de pura poesia e vendaval. Não se preocupe se isso não parece fazer sentido — ainda. Aos poucos, as coisas clareiam e você vai descobrir se dentro dela tem água ou não.

Quer um conselho? Pegue um café, uma taça de vinho ou um negroni. Estenda uma canga no chão. Pode ser na areia da praia ou no cinza de um asfalto no centro da cidade, não importa. Assegure-se de que está confortável para caber dentro da verdade de alguém que, de certo medo, também é tua. Ou minha e de quem quiser. Esse será nosso segredo particular.

Enquanto vira as páginas, você não sentirá o tempo empurrar os ponteiros. Estará distraído colhendo histórias de amor e desamor — as melhores, claro, estão sempre no alto das árvores: fique atento. É possível que cheguem até você cheiros, cores, sons, toques sutis na base do pescoço. Um arrepio, quem sabe.

Vez por outra, um sorriso de canto de boca te surpreenderá; uma inveja também. “Por que não pensei nisso antes?”, dirá a si. Então de repente, você se pegará imaginando corpos suados ou cantarolará músicas de Marisa e Silva. Arrisco até um axé ou um frevo-canção cheio de sutilezas e coisitais. Não se surpreenda se quiser dançar.

São Paulo te atravessará como uma avenida. Quando você estiver quase acostumado com o peito acelerado, cruzará uma superquadra de Brasília, uma rambla de Barcelona ou uma ladeira de Salvador. Pelas esquinas, encontrará instantes fortuitos de prazer e de luto — não será o gozo também uma forma de morrer?

Então você lerá uma frase e sentirá vontade de ligar para um amigo. Começará a conversa com “sabe que hoje li algo que dizia mais ou menos assim?”. E vocês rirão e talvez digam ao mesmo tempo “que curioso alguém pensar desse jeito”.

Provavelmente você nunca tenha feito psicanálise, mas ficará imaginando como deve ser bom deitar no divã, ao lado de uma analista que ri sem mostrar os dentes, só para sentir a ebulição de se enxergar sem lentes pela primeira vez.

De olhos fechados, você vai imaginar encontros afetivos com uma avó macia ou uma tia chamada Pureza; um menino bonito que triangulava entre cidades ou uma cachorra com cara de coração. Escreverá cartas imaginárias — como esta — e contará um sonho da noite passada.

Talvez você queira dormir e não acordar mais. Ou vestir a jaqueta mais brilhosa e pegar o primeiro metrô para qualquer lugar onde haja mar — e um punhado de gente.

Nesses instantes, caro leitor, saque sua melhor fantasia e solte os pés que te sustentam. Aproveite que hoje tem sol e se deixe afundar na água fria da piscina. Entre as linhas dos azulejos, haverá pedaços de vida revestidos de purpurina, gim, lixo, gritos de carnaval. Estar dentro desse balaio, eu garanto, será também um modo de mergulhar em seus próprios devaneios bobos. Como diria Caetano, como é bom poder tocar um instrumento.


Nathalia Duprat